sábado, 15 de outubro de 2011

PESSOAS DESCARTÁVEIS

Ouvi uma expressão dia desses de um amigo que ficou ecoando entre as minhas escamas.
"Essas são pessoas descartáveis, gostam de música que amanhã saiu de moda, usam roupas feitas aos milhares num fundo de quintal, e por aí vai..."
Eu escutei essa expressão, fiquei quietinho, mamãe me ensinou, enquanto o outro fala.

Um amigo meu me diz que eu tenho uns exemplos nada a ver para as coisas que quero expressar, razão pra ele, mas bananeira não dá laranja.

Historinha número um:

Na rua sem calçamento em frente à casa onde morei na infância, quando chovia, formava-se uma grande poça de água. devia ter uns cinco metros de largura com vinte centímetros de profundidade, a gurizada pegava suas "biticlecas" e passavam correndo por ela, jogando água para os lados.
Um dia, começou a chover, corri pra casa, peguei a bici da minha irmã, uma Monareta vermelha cheia de franjas no chassi e canutilhos nos raios, e fui para a poça! Hoje eu, o menorzinho, ia chegar primeiro!
E cheguei! Mas ao estar ali, sozinho, não consegui brincar, fiquei parado, olhando a poça, algo estava diferente. Os outros começaram a chegar e pararam do lado, estranhando minha cara, na chuva.
Foi quando veio o maiorzão, aquele que batia e desbatia em todo mundo, me empurrou pro lado e com a língua dobrada entre os dentes, entrou na poça empinando sua Odomo. Quando a roda da frente tocou o centro da poça, afundou direto! E o magrão também! Tudo sumiu! Silêncio! Olhei em volta, todo mundo estava com o rosto branco e imóvel, até que o nosso amigo sai tossindo e cuspindo água, com a bicicleta quebrada no garfo e sem uma roda. Um cano de esgoto tinha se rompido com a chuva anterior e ficou um buracão embaixo da rua, com a água desta nova chuva, tudo aluiu, desmoronou e ficou uma piscina mortal.

Historinha número dois:

Outro amigo sempre me malha porque vivo falando dessa viagem de 15 dias em que fiquei no Rio, na casa do meu tio e padrinho Lenor, hoje vivo dentro dos corações, mas é só o que eu tenho pra contar, o que é diferente do que todo mundo conhece aqui.
Eu fiquei na Pavuna, bairro de São João de Meriti, a famosa Baixada Fluminense, na época berço do tráfico e violência.
O que eu vi: Os adultos conversavam com as crianças, mesmo que não fossem seus parentes, inclusive, todos se preocupavam com todos, com o bem-estar mesmo, não para saber fofocas, como é costume em alguns lugares. Os índios vivem assim, todos se cuidam.
Havia uma casa onde não se podia brincar. Ninguém morava nela, era uma casa bonita e bem-feita, mas era rota de fuga do traficante da região e todos sabiam, inclusive crianças de 5 anos.
O traficante era figura comum na comunidade, se pegava ficha para ir no INPS, ou SUS, ele arranjava cadeiras de rodas, colchão de água para a vovó com dor nas costas e por aí vai.
O bairro era de casas boas, de alvenaria, com terreno. Nunca vi favela lá.
Todas as casas tinham uma ou duas casas de fundos, igualmente bem construídas.
As pessoas não tinham TV em algumas casas, mas a Eletrola, do tamanho de um balcão reluzia na sala, com a tulha aberta sorrindo com dentes dos discos do Roberto Carlos, Odair José. Som todos tinham.

Descartáveis? Eu me toquei que tudo o que eu chamo o outro, estou dizendo isso para mim. se ele é um merda, eu e ele somos da mesma raça, somos dois merdas então.
Eu tenho um defeito: acho tudo interessante e creio firmemente que um roteiro ganhador de Oscar pode  ser escrito a partir daquele seu vizinho sem graça que fuma cigarros baratos, recicla a erva do chimarrão e usa o mesmo casaquinho cinza todo inverno há 15 anos.
Não existem pessoas desinteressantes. É o observador que não sabe regular o microscópio.
Não existe coisa sem gosto, é o paladar que não foi treinado.

O que mais vejo é gente que não quer crescer. Se ouvem alguém falando em uma língua que não entende, então o que se está dizendo é besteira, blábláblá. Eu costumava ficar indignado ao ver as pessoas zombando do conhecimento, hoje eu vejo que elas fazem isso por vergonha, convenceram-se de que nunca terão cultura, e não é fácil conseguir, não, seu João.
Pois que seja. Até isso é interessante. rendeu um post que curti fazer. Aaaahhhhhh.

2 comentários:

  1. Adorei isto: 'Não existem pessoas desinteressantes. É o observador que não sabe regular o microscópio.
    Não existe coisa sem gosto, é o paladar que não foi treinado.'
    só consigo postar como pessoa Anônima, desculpa.

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  2. mas, o Anônimo dessa postagem sou eu, a Elô

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