quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

RICARDO DIVILA, MONSTER


Ricardo Divila cochilada do Grande Prêmio

A F1 não tem mais graça, você não cria mais nada, só trabalha em função do regulamento. O engenheiro que tem o seu próprio projeto não faz mais nada

Agência Warm Up
POR FELIPE PARANHOS
de Salvador

A trajetória de Ricardo Divila chama a atenção não pela longevidade — que existe —, nem pela diversidade de países em que trabalhou — outro fato notório —, mas, sobretudo, pela gana por novos desafios. Desde o início da carreira, ainda nos anos 1960, até a atual jornada, na Toyota SARD, a carreira do engenheiro é conduzida pela vontade de conquistar novos espaços: F3, F2, F1, endurance, Super GT japonesa...

Na entrevista concedida ao Grande Prêmio via Skype, Divila driblou as dificuldades da ligação e soube dar aos amantes do automobilismo lições indispensáveis para quem deseja sempre ver as corridas mais como esporte e menos como negócio. Nas linhas a seguir, o cidadão do mundo revela também opiniões sobre momentos históricos, como os motivos do fim da equipe Fittipaldi, pela qual trabalhou por 16 anos, além de seus pontos de vista sobre a F1 e suas restrições técnicas — "não tem mais graça, você não cria mais nada" —, e sobre a decadência do esporte a motor no Brasil.

Depois de mais de uma década de sucesso no Japão com a Nissan, Ricardo inaugura em 2010 seu compromisso com a Toyota, sem deixar de olhar para as 24 Horas de Le Mans — cuja vitória é seu maior sonho —, trabalhando com a OAK, e tenta equilibrar a paixão pelas pistas com a vida familiar.

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Grande Prêmio: Começando pelo fim: o que alimentou a troca de quase 15 anos de Nissan por uma experiência nova na Toyota?

Ricardo Divila: As coisas são assim, mesmo. Não tinha muito mais o que fazer lá. Sob aquela marca, ganhamos 11 campeonatos. Sempre chega um momento em que começa a ficar quase tudo a mesma coisa. Os desafios do regulamento da Super GT se esgotaram: quando você faz o carro, você é obrigado a usá-lo durante três anos. E aí, desse jeito, meu trabalho estava se repetindo. Antigamente, eram feitos muitos testes: no inverno, no verão... Muitas coisas diferentes. Agora, não tem projeto novo até 2011. E surgiu também a OAK, que era como a equipe júnior da Pescarolo, mas que agora tem outro dono. Em efeito, é a companhia que toma conta do desenvolvimento da Pescarolo. Temos tudo o que já foi feito, mas podemos dar continuação aos projetos e, ainda por cima, fazer os nossos próprios. Além disso, ser engenheiro de pista da SARD me interessa muito pelo contato muito próximo que temos com a Toyota. É interessante trabalhar com uma montadora. E, fora disso tudo, eu gosto, mesmo, de trabalhar no GT.

GP: E o garoto que entrou na Faculdade de Engenharia ainda em meados dos anos 1960 já acreditava que poderia ter uma carreira tão bem-sucedida, chegando tão longe?

RD: Não. As coisas vão acontecendo, né?... Você olha hoje onde estou, por onde passei... Naquela época, nunca faria planos assim, nem pensaria até onde poderia ir. Meu negócio mesmo era mexer em carro de corrida e ir para Interlagos fuçar. Olhando hoje, é, realmente, uma surpresa. Poder percorrer o mundo com carros diferentes e vivendo países diferentes é tudo o que eu gosto de fazer. Nada mudou. Se existe algo que eu tenho mais do que no passado é a paixão, porque hoje consigo ver tudo muito mais friamente, com mais autoconfiança. E isso existe independente dos anos que passam. Se eu pensar o quanto sabia no passado — e achava que sabia tudo —, vejo que tem muito mais coisas que aprendi pelo caminho... Falando a verdade, ninguém consegue saber de tudo no início de sua profissão, sempre tem muito mais para apreender, sem falar nas novidades que surgem, coisa de tecnologia, mesmo. Isso fica muito claro quando trabalho com gente nova. Isso me mantém jovem nas atitudes perante a vida. Da minha época da faculdade, vejo tanta gente que já "levantou o pé", gente com filhos, netos... E eu não: parece que tenho 21 anos ainda.

GP: Quando você entrou na Fittipaldi, em 1966, ainda estudava. Como foi a transição dos bancos escolares para a prática?

RD: Sabe que isso é uma das coisas que eu ainda não fechei na vida, né? Ainda tenho duas dependências a cumprir em Química... Mas acho que tá meio tarde, né? [risos] Ainda não tirei o diploma. Meu pai ficava chateado, dizendo: "Como é que você vai para a Europa mexer em carro de corrida assim?" Hoje dou aulas e sou consultor da Universidade de Cranfield [no curso de engenharia automobilística]. Voltando ao assunto, acho que uma coisa muito boa dessa transferência foi a mão na massa. Na faculdade, tudo é muito téórico, e ainda muito cedo desenvolvi o equilíbrio entre teórico e prático. Desde garoto, já fazia carro de corrida e mexia em carro. Quando o Wilson [Fittipaldi] foi para a Europa, acompanhei todo o desenvolvimento na F3 por lá. Eu era mecânico, chofer de caminhão, era tudo! Essa parte prática é boa para aprender como é tudo por trás, como é que faz para colocar um carro para correr de fato. Isso é o projeto do carro, com o conhecimento mecânico que se tem para transformar isso em corrida. Esse período foi bom porque hoje me entendo muito bem com os mecânicos. Eu sei o que eles fazem, como devem fazer, porque já fiz muito. Assim, é mais fácil mostrar o que deve ser feito e como deve ser feito.

GP: Naquele momento de início de carreira, o que significava ter a chance de trabalhar em carros diferentes, como o Fitti-V, o VW Bimotor e o Fitti-Porsche, até podendo mexer com esporte-protótipo?

RD: Desde cedo, já tinha um conhecimento teórico muito forte para a minha geração. Eu sempre fui muito interessado em carros e em aviação. Desde pequeno, com 10, 12 anos de idade, já estava fuçando no assunto. Quando o Wilson me chamou para trabalhar com eles, meu conhecimento de carro de corrida vinha do que eu sabia de carros norte-americanos e europeus. À época, eu já tinha um pouco mais de conhecimento do que o padrão da mecânica brasileira, e aí meus carros já tinham um pouco o padrão europeu, o perfil europeu. Quando você mexe com aeronáutica, mexer em carro de corrida não é muito difícil, porque não é tão diferente. E talvez venha daí o interesse por protótipo, que é algo que eu ainda vejo até hoje. Ainda quero ganhar as 24 Horas de Le Mans.

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GP: Esse período da Europa, iniciado pela F-Ford, representou a sua primeira grande jornada internacional. O que mudou? Sentiu muito?

RD: Naquela época, o Emerson [Fittipaldi] já tinha saído do Brasil. Eu vim para a Inglaterra com a minha namorada, depois esposa, para visitar a família dela e passear no país. Ela esticou mais dois meses, nós nos casamos, e aquilo foi uma boa introdução do que seria o resto da vida: casamos na sexta-feira, e no sábado eu já estava em uma corrida. Uma semana depois, ela voltou para o Brasil e eu fiquei mais três meses. Isso quando o Wilson tinha montado equipe. A partir daí, janeiro de 1970, são quatro décadas direto na Europa e pelo mundo. Acho que sou o brasileiro há mais tempo no automobilismo internacional.

Hoje tenho a oportunidade de voltar no Brasil e ver as corridas, ver a Stock Car, que, infelizmente, ficou praticamente monomarca. O Brasil virou monomarca. Tem corrida de carro, de caminhão, mas sai um pouco do natural: monoposto de base, essas coisas. Espero que com o [Felipe] Massa reapareça o viveiro de gente para F1. [Ricardo se refere à F-Future, primeira categoria de fórmula nacional depois do fim da F-Renault. A categoria, assim como as "irmãs" Trofeo Linea e 600 SuperSport — esta de motos — tem o apadrinhamento do piloto da Ferrari e o apoio da Fiat e será organizada por Titônio Massa, Dudu Massa e Carlinhos Romagnoli.]

Toda essa queda do automobilismo brasileiro é uma pena, porque já houve épocas fortíssimas. Em geral, passou a época de ouro do automobilismo. O custo ficou algo muito mais difícil de lidar e já não se vive bem tecnicamente nem esportivamente: virou show-business. Falta muita coisa, mas, por enquanto, dá para se divertir. Ainda dá. Espero que o Brasil, que é um país rico, consiga reverter isso. A gente olha a Argentina, que é um país quebrado, e vê que eles têm um automobilismo mais forte do que o brasileiro. É difícil dizer o que se pode fazer para mudar, mas é preciso sangue novo, sem dúvida. A molecada que começa, o pessoal que é jovem e empreendedor, precisa ver isso como uma carreira. Está na hora de o Brasil ter algo a mais, alguma coisa que faça a CBA se voltar à raiz do esporte.

GP: E ao longo da "escadinha" F3-F2, o profissional Divila evoluiu quanto? Quais eram os desafios daquele período?

RD: A dinâmica, a geometria, tudo isso que há no automobilismo de raiz, como se diz na Inglaterra. Naquele tempo, tínhamos muita liberdade de mexer nos carros — é a raiz de que eu estava falando. Hoje, o monomarca restringe o que você pode aprender mexendo por si mesmo. Na F1 você tinha gente de 80 pessoas para dois carros e tinha equipes para você sozinho. Hoje tem equipes-monstro... Vai na GP2, só Dallara; vai na Nippon, só Swift. Você só usa o carro. Naquela época, você fazia tudo. Era uma época de descobertas: a gente ia descobrindo novidades e fazendo as coisas mais seriamente. Dava mais trabalho. A primeira fase da criação é difícil, mas, à época, era muito fácil copiar. Depois que você passava um ano fazendo, alguém via e copiava. Um exemplo é o carro-asa da Lotus: dois anos depois, todo mundo já tinha feito igual. Passaram por cima, mesmo: copiaram e melhoraram aquilo que em 1978 era muito rápido.

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Na F1 dos anos 1970 e 1980, a evolução técnica era gigante, porque você podia trazer algo novo. Os monocoques de alumínio, de fibra, o efeito-solo se desenvolvendo, carro com suspensão ativa, a entrada da eletrônica... Era a doce época. Hoje em dia, travou. Você trabalha no túnel de vento, simula tudo e, a partir daí, ganha centésimos de segundo. Não tem mais pulos grandes, não tem mais grandes evoluções corrida a corrida. A F1 não tem mais graça, você não cria mais nada, só trabalha em função do regulamento. O engenheiro que tem o seu próprio projeto não faz mais nada. Isso foi o que me levou a fazer Le Mans, a GT japonesa: a liberdade de criação.

GP: Na F1, a Copersucar-Fittipaldi tem um status mítico no automobilismo brasileiro. Na época que o projeto começou a ser traçado, você tinha noção da magnitude que aquela equipe teria para a história do esporte a motor no Brasil?

RD: Não. Até porque não tinha nada de extraordinário. Era o começo. Chegando na Europa, vimos que não tinha nada de mais: era engenharia pura e aplicada a um carro de corrida. Nunca vimos aquilo como um problema grande. O que enfrentámos era a logística e a manutenção de uma equipe de F1. A transição F2-F1 foi dífícil, pelo tamanho do campeonato, pelas distâncias a percorrer e pela necessidade de mudar e evoluir seu carro corrida a corrida. A parte de engenharia não era tão difícil, mas era muito duro manter a equipe e seguir o desenvolvimento de equipes já estruturadas. O período 1970-1980 foi tão forte que times tradicionais europeus caíram também. A Ferrari teve um período em que era brincadeira, ninguém levava a sério. Tinha aquela construção italiana, bons motores, mas em chassi e aerodinâmica os ingleses superavam fácil.

GP: Os modelos criados por você viraram sinônimo de inovação. Quais foram os problemas que impediram os FD de alcançarem melhores resultados?

RD: O primeiro carro era muito avançado para a época. O projeto original dele nós não conseguíamos fazer no Brasil. Assim, o carro acabou ficando um pouco comprometido por causa das dificuldades. Fora os erros de construção do carro: um carro mais efeito-solo, com o chassi mais quadrado, seria mais eficiente. Na época, o túnel da CTA [Centro Tecnológico da Aeronáutica, em São José dos Campos] só podia medir o arrasto, não o downforce. O segundo carro, o FD04, já foi uma correção do que tínhamos feito de muito ambicioso ou errado no 01, no 02 e no 03 — que eram fundamentalmente o mesmo carro. A gente não tinha a chance de corrigir tudo logo e voltar para trás, porque tinha a corrida seguinte.

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Só no 04 pudemos ver a folha de papel em branco, novinha. O carro foi feito para ser mais prático. Andamos rápido até a Espanha. Mas mudou a constituição dos pneus na Espanha. Isso matou o 04, a Fittipaldi, a Shadow e a Lotus. Os pneus foram mudados por causa do acidente do [Mark] Donohue na Áustria, no ano anterior. A viúva dele tinha processado a Goodyear.

[Uma falha em um pneu causou o acidente de Donohue, no warm-up para o GP da Áustria de 1975. Apesar de ter sido resgatado em boas condições de saúde, o norte-americano morreu dias depois, em decorrência de uma hemorragia cerebral. Um comissário faleceu logo após a batida.]

Aí lançaram os pneus novos, testado por McLaren e Ferrari no inverno. Quando puseram na pista, nosso carro ficou inguiável. Foi o que matou o carro. Daquela corrida para a frente, foi uma pena, porque foi um dos melhores carros que fizemos. Tinha funcionado bem no GP do Brasil, com o Emerson em quinto na classificação. Se não fosse o motor, ele terminava no pódio. Na sequência, com os problemas dos pneus novos, aquela cobrança no Brasil cresceu, e nós nunca mais conseguimos colocar o negócio em ordem. Havia uma cobrança por resultados do Emerson. Ainda pedi ao Wilson para pegar mais gente para dar suporte ao bicampeão mundial, mas não melhorou as coisas. Pegamos uma série de barcas furadas. A gente deveria ter acreditado mais no que fazia. Enquanto estavam Ingo [Hoffmann] e o Wilson, estava tudo bem. Quando entrou o bicampeão, sentimos o que a Ferrari sente na Itália. No Brasil, só vale o vencedor.


GP: E, do seu ponto de vista, o que causou o fechamento da Fittipaldi?

RD: Falta de unidade. Trocamos muito de projetista. Quando veio o F6 [em 1979], afundou tudo. Gastamos muito dinheiro e não foi um bom carro.

[O F6 foi projetado por Ralph Bellamy e, apesar da beleza dos traços e do suposto requinte aerodinâmico, era um desastre. Giacomo Calliri foi convocado para o lugar de Bellamy. O italiano já havia trabalhado com a equipe em 1978.]

Quando pegamos a Wolf, começou a funcionar razoavelmente bem. Mas aí tinha a questão do dinheiro, e não saíamos do poço sem fundo, sempre com dívidas. Mas foram anos interessantes.

GP: Em 1985, você foi trabalhar na F3000, erguendo a PMC. De onde surgiu a ideia, que incluiu até um convite para reabilitar a carreira de Alex Dias Ribeiro?

RD: Eu montei uma equipe com o Peter Macintosh, ex-diretor da Fittipaldi. Ele tinha um empresa de computação, para a qual eu fazia consultoria. Decidimos montar uma equipe. Ele era muito próximo do Bernie [Ecclestone], e eu já tinha sido convidado pela Lola para fazer o desenho do carro, baseado no modelo da Indy. Eu achava que não ia dar certo, mas foi nessa época que apareceu o Peter com a oportunidade. Sobre o Alex, achei que seria importante ter alguém experiente com a gente, mas tinha o problema do dinheiro. Era um momento difícil.

[Segundo declarou Alex ao Grande Prêmio no início de 2009, o convite poderia ser decisivo para o retorno do piloto ao automobilismo internacional. "Eu arrumei metade de um patrocínio aqui, mas não arranjei o resto e desisti de vez", disse.]

GP: Você deixou a F1, mas a F1 não deixou você. Você chegou à Ligier em 1989, para ser engenheiro-chefe de uma equipe tradicional, mas que vivia um período de queda. Era um abacaxi muito grande?

RD: Como disse, eu tinha ido para a F3000 e estava me dando muito bem, quando veio a proposta da Ligier. Eu iria para a França, desenharia o carro em seis meses e poderia testar para o ano seguinte. Quando cheguei, recebi a agradável notícia de que a equipe havia perdido o motor Judd e eu teria dois meses e meio para fazer um carro com um Ford. Era um abacaxi grande. Sou o sujeito que endireita equipes, mas eu gostaria mesmo de trabalhar numa equipe em que tudo funcionasse bem — e foi o que consegui na Nissan. Viramos o modelo, algo de padrão F1. Subiu o nível da GT.

GP: Um ano e meio depois, você se transferiu para a Fondmetal, mas ficou apenas sete meses. Por que tão pouco?

RD: Era uma das piores equipes em que já trabalhei na vida. O patrão [Gabriele Rumi] era um apaixonado, mas a equipe era a escória da Osella. Tinha um mecânico que levei da Ligier e um piloto [Gabriele Tarquini] — os três tentando fazer funcionar uma equipe inteira. E, depois, veio a Minardi, que era a equipe caseira. Adoro o pessoal de lá, adoro o Giancarlo [Minardi, fundador do time]. Ele é 100%. De certa maneira, não ter a Minardi na F1 é uma perda, mas a categoria mudou muito. Foram 22 anos e 287 GPs, e a época de ouro foi os anos 1980, em que você não sabia quem ia ganhar a corrida. A equipe ainda entrou numa fase em que já se sabia quem iria ganhar, mais recentemente. E em uma F1 de muito dinheiro, né? De tamanho imenso. Na época da Minardi, o esporte ainda era forte.

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GP: Em 1992, você voltou à F3000. Você se sentiu dando um passo atrás?

RD: Não, porque a F3000 era um negócio competitivo. Você podia modificar os carros, e isso foi a parte que me interessou. Para trabalhar em equipes de fundo de grid na F1, era bem melhor estar na 3000. Eu não tinha satisfação em trabalhar para terminar em 15º. Pensava: "Já fiz os anos de ouro, já tive minha época, vou ganhar corrida". E isso deu muito mais retorno do que se tivesse na F1 até hoje, trabalhando em uma equipe intermediária. Vejo hoje o pessoal da minha época — e olha que não sobrou muita gente — e reparo que são pessoas que não estão ali porque gostam, mas porque é um emprego, porque não sabem fazer outra coisa. E vai levando... Se é para fazer isso, para viver essa vida de 42 viagens por ano, é para ganhar corrida. Se não pode fazer desenvolvimento técnico, ou monta uma equipe e faz funcionar, ou vira uma engrenagem numa equipe de F1. Então vamos para o que me dá satisfação. Penso sempre assim.

Mas só ganhar corrida não é suficiente. Foi o que fiz na F-Nippon [Divila conquistou as temporadas 2001, 2002, 2003, 2005, 2006, 2007 e 2008]. Se você ganha corrida e não pode inovar, fica desapontado. Tenho algo interessante com a Toyota agora, que é fazer o pneu funcionar. Tenho de trabalhar com construção de pneu, fazê-lo funcionar. Isso é interessante, bater na mesma tecla não. Gosto de me manter interessado, de buscar sempre um desafio novo. Tenho 1.800 corridas, 1.850...

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GP: Teve receio de buscar um terreno tão novo quanto o automobilismo japonês, ao aceitar o convite da Nissan, no meio da década de 1990?

RD: Estava trabalhando bem na França e um amigo me chamou para que eu aproveitasse quatro meses de espera por um carro novo da F3000, monomarca, e viesse ao Japão ajudar no desenvolvimento de um Superturismo. Fui trabalhando, me interessando, até que me chamaram para ser diretor-técnico da Nissan. Tive a oportunidade de mexer com algo totalmente novo, que era a tração dianteira. Na época, era praticamente força-livre. Funcionou, porque eu tinha muita vontade de fazer aquilo. Não foi uma coisa de eu procurar, aconteceu por acaso, como quase tudo na vida. Se, quando eu estava no Brasil, eu dissesse que ia parar em Tóquio ganhando campeonato no Japão, iam dizer que eu estava ficando louco.

GP: Como foi o período na Prost, uma equipe que prometia, mas que teve as dificuldades que teve, sobretudo no período em que você acabou chegando lá?

RD: Sou muito interessado em problemas técnicos, é doença de engenheiro. Mas, às vezes, não olho o que tem em volta. E a Prost tinha duas coisas: a Nissan, que estava fechando o programa europeu, já queria que eu fosse para o Japão em tempo integral. Eu não queria. A Prost tinha gente da Ligier e a equipe parecia ser boa, com túnel de vento, coisas novas. Não estava tão interessado em fazer pista. Infelizmente, caí lá na época em que perderam o patrocínio.

E o [Alain] Prost era o mesmo problema de todo piloto dono de equipe. O caráter do piloto não é o caráter do dono da equipe. Foi a cópia-carbono de outros: muito individualista. E é difícil fazer a gestão da equipe sendo individualista. Deu para ser um ano interessante, mas virou uma espiral de falta de dinheiro, com o desenvolvimento totalmente parado.

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GP: Você havia declarado no passado que tinha o sonho de participar de uma edição das 500 Milhas de Indianápolis. E aconteceu, com a Conquest, em 2009. Foi uma experiência muito diferente?

RD: Interessante que o chefe dos mecânicos da Conquest é alguém que conheço há muito tempo, trabalhou comigo na Ligier e na F3000. A "patroa" tinha me pedido para tirar um pé um pouco do trabalho, e fiz um ano passado mais tranquilo, podendo ficar mais com a família. Queria fazer Indy e o Dacar. Só que, no fim, teve a chance de ir para Okayama e para a Le Mans Series com a Pescarolo, e perdi o Dacar. Indianápolis é outro mundo. Eu já tinha feito Champ Car, IRL, mas precisava fazer as 500 Milhas. Mas não sei se faço de novo. Teve o problema do [Alex] Tagliani, que acabou não classificando. A gente conseguiu largar em 33º e terminar em 11º. Estou achando que não vai dar tempo para fazer novamente, mas deu para preencher o que faltava no meu curriculo. O Bruno [Junqueira] fez um trabalho muito bom, e sinto muito por ele. Ele é muito rápido, muito profissional, mas acabou perdendo a oportunidade por causa do patrocínio. Eu o considero mais rápido do que o Tagliani, muito mais... Mas é aquele negócio: se minha tia tivesse bigode, seria meu tio. [risos]

[Embora seja algo comum ao automobilismo norte-americano, em que é o carro — e não o piloto — que se classifica para a prova, a decisão da Conquest de dar o lugar no grid conquistado por Bruno Junqueira a Alex Tagliani causou polêmica. À época, o próprio Divila lamentou a escolha.]

GP: E depois de experiências tão variadas na carreira, o que você ainda deseja fazer?

RD: Gosto muito do que faço, então vou dizer que o resto seria para se divertir. Mas, se eu ganhar as 24 Horas de Le Mans, dá para diminuir um pouco. O negócio de correr está no sangue. Seria só para completar as coisas que tenho de fazer na vida. Mas largar as corridas não dá. Vou acabar morrendo de ataque cardíaco em algum lugar do mundo, em alguma pista do mundo.

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